sexta-feira, 4 de março de 2016





Fragmentos do Conto Longo  "E SE EU PUDESSE TE AMAR?"
 (conto espírita)

I CAPÍTULO



O tumulto das noites de Natal nas ruas de São Paulo era memorável! Em uma loja de bijuterias, uma moça chamada Letícia, ocupava o cargo no caixa daquele estabelecimento. Não que fosse incompetente, mas por motivos talvez de desatenção, ao fechar o Caixa naquela noite as contas da gerência não bateram! A voz áspera de Caleb, irmão do dono da loja, Abner, bradou pelo seu nome em meio à multidão de consumidores desequilibrados pelo ritmo natalino. Após uma cruel conversa numa pequena salinha com Ângelo, bastou para que ruidosamente, ela fosse descartada na mesma agilidade em que fora contratada há dois meses e meio. Após o veredito final, a moça no banheiro chorava em silêncio, ajeitando a bolsa jeans que usava, tentava encontrar o celular para avisar a mãe do ocorrido, mas ninguém atendeu. Então ainda em prantos por uma condenação que não merecera, voltou-se para o espelho limpar a face. Naquele instante um susto tomou-a ao ver nele, o reflexo do filho do dono da loja, Tony! Um rapaz bem afeiçoado, tomado de vaidade por ser o filho rico de uma grande rede de lojas da “25 de março”, muito cobiçado pelas garotas da loja e muitas fora dela...



- Que susto Tony! Você está no banheiro das mulheres!

- A loja é minha, entro onde eu quiser. – respondeu ele retirando o cigarro da boca, recostado sorrindo de lado para a moça em lágrimas. Alguns segundos de clima estranho e ele se aproximou dela lentamente.

- Desde que chegou resolvi frequentar mais a loja do meu pai.... Vejo que vou ter que mudar a estratégia. 

- Não entendi...?

- Eu explico. – disse se aproximando lentamente dela, finalmente beijando-a. Minutos depois estavam na casa de Tony, no piso superior da loja e Letícia, até então desconhecedora dos segredos do amor, era agora uma jovem mulher. Tony era cinco anos mais velho que ela, tinha naquela noite vinte e dois anos. Com o rosto debruçado nele, assustada com a rapidez com que tudo havia ocorrido, se levantou com calma e tomada de timidez. Vestindo-se de costas para ele disse discretamente: 

- Não precisa se preocupar comigo, seu pai não irá notar, vou descer pela escadaria do lado que dá na rua. 

Tony se aproximou dela, e segurando seu ombro respondeu surpreendendo-a: 

- Eu quero que ele veja, e terá que voltar atrás do que a fez passar. Desça comigo, por favor. E Letícia sentiu naquele olhar, que realmente ele a queria, e seria para sempre! Alguns sabem...



Dias se passaram, e apesar de Abner Ginich, pai de Tony, não dar muita atenção ao filho mimado acerca da namorada pobre da zona leste no bairro Guaianazes, o amor entre eles parecia intensificar e cada dia. Certa noite, enquanto Abner sentado em sua bela sala de estar, verificava alguns e-mails, notou seu filho mais novo se aproximar em silêncio. Estranhando o comportamento atípico de Tony, Abner cessou a leitura e fechando seu notebook voltou-se para o rapaz.

- Se eu o conheço... Quer contar-me alguma coisa menino? 

- É uma notícia boa, ao menos para mim.

- Que bom saber... Se é boa notícia para você, é para mim também. – sorriu alegrando-se. 

- Eu estou namorando uma garota pai.

- Hum... E qual seria a felizarda?

- É a Letícia. – disse Tony achando que seu pai assimilaria o nome com a ex responsável pelo caixa da loja. 

- Letícia?... De que família?

- Não deve conhecer a família dela pai, o nome é Letícia Pimentel. – neste instante sua mãe se aproximou. Abner a introduziu no assunto animado.

- Ouviu isso querida? Até que enfim esse rapaz resolveu namorar alguém de verdade!

- Que maravilha meu filho, e quem é?

- Filha dos Pimentel. – interrompeu o filho tomado de ansiedade, afinal a tradicional família de Abner precisava logo de um neto para dar continuidade ao sobrenome. 

- Filha do Dr. Adênio? O juiz de Higienópolis?

- Não mãe...

- Deve ser filha ou neta do Dr. Pimentel, o urologista, não é não filho?

- Não pai, ela não é conhecida, não da maneira que vocês estão dizendo.

- Talvez seja ligada aos Pimentel do nosso amigo do Rotary Clube, o promotor Augusto Pimentel. Não é filho?

- Ela é Pimentel de Guaianazes! - disse em tom incisivo estancando o diálogo intercalado dos pais ansiosos. Um silêncio profundo tomou-os. Tony notando o choque de ambos se calou, desviou o olhar até que ouviu a voz mansa e duvidosa do pai:

- Ela faz o que em Guaianazes? Trabalha exatamente com o que?

- Ela mora na zona leste, e trabalha... Quero dizer, trabalhava, até o tio manda-la embora, na nossa loja. 

Neste instante o impacto tomou uma segunda vez seus pais. O rosto de sua mãe chegou a recuar num lapso de segundo, como quem sofre um tapa na cara!

- O que?! - questionou franzindo o cenho, o velho Abner, descrendo do que acabara de ouvir.

- É exatamente isso, a Letícia que o tio injustamente demitiu.

- A ladra? - interrompeu Mara, sua mãe.

- Ela não é ladra mãe, o dinheiro desapareceu numa noite absurdamente tumultuada de natal, sabemos que aquela loja é uma loucura e não há como provar que foi ela quem roubou. 

- Seu tio viu o roubo meu filho! - debochando respondeu Abner reabrindo o notebook, nem mais se importando com o assunto.

- Pai, foram R$15,00! 

- Mas eram meus! 

- Ela não roubou esse dinheiro pai, por favor!

- Chega desse assunto, nem sei por que parei de ler meus e-mails. 

- Eu vou descansar, boa noite queridos. – se afastou Mara maneando a cabeça em reprovação.

- Vocês vão me ignorar é isso?

- Tony, crie juízo. E me deixe trabalhar está bem? Devia servir de alguma coisa meu exemplo. – voltou-se para os e-mails.

- Eu já comuniquei. Depois não digam que não havia dito nada, por que eu disse. 

Saiu da sala deixando o pai sozinho. Abner já se encontrava imerso no trabalho novamente em segundos, indiferente. Horas depois, no quarto espaçoso e de estilo colonial antigo, o velho Abner se ajeitava para se recolher. Enquanto Mara, a esposa vinte anos mais nova lia uma revista de modas, o esposo se ajeitava na cama pensativo. 

- Não está preocupado com a conversa de Tony, não é? Parece tão tenso... 

- Não, é outra coisa que está me deixando intrigado.

- O que seria? Pode me contar?

- Tenho sonhado com meu finado avô acredita? Noite após noite. 

- Isso é muito comum Abner, todos sonham com os pais, avós... 

- Eu disse “todas as noites”! Não uma ou outra noite. 

- Mas que seja. Pare de se preocupar com isso e durma, isso tudo é o estresse do dia a dia, apague esse abajur e vamos dormir isso sim. – fechou a revista e se ajeitou entre o edredom abraçando o esposo que acabou rendendo à exaustão. 

Na manhã seguinte, na residência de Letícia, sua mãe solteira, uma jovem senhora de 37 anos, auxiliar de enfermagem terminava o café da manhã às pressas. Enquanto despejava o café na xícara de boca larga chamava pela filha em voz alta. 

- Letícia! Vai perder hora da entrevista filha! 

- Nossa não precisa gritar desse jeito mãe. Já estou pronta.

- Está levando tudo? Documentos, foto?

- Eu sei me virar ok? E você? Vai fazer plantão hoje?

- Não, volto às 15:00hs, e quero essa casa limpa ouviu? Não é por que não está trabalhando que vai ficar dormindo até tarde. Estou indo, fique com Deus. – disse agitada, beijando-a na fronte. Letícia sentou-se desanimada frente a xícara, refletia os dias anteriores, logo seus pensamentos foram tomados pelos seus últimos encontros com o novo namorado. Como que se isso bastasse para atraí-lo, o telefone tocou:

- Alô!

- Letícia? Estava pensando em tomar o café da manhã com você, o que acha?

- Não posso Tony, tenho uma entrevista de emprego agora.

- Não, não tem não...

- Estou falando sério Tony. E outra, chegaria aqui muito tarde, já terei saído. – neste instante ouviu alguém bater na porta.

- Só um momento, estão batendo na porta. – seguiu até ela e ao abri-la foi surpreendida pelo rapaz de forma simpática aguardando-a com uma cesta de café da manhã nas mãos. 

- Você?!

- Aceita ou não aceita? - Letícia respondeu sorrindo com um abraço apaixonado. E assim passavam os dias, Tony e sua mais nova namorada, dia a dia se aproximavam e fortaleciam seu vínculo em segredo por não serem aprovados pela poderosa família de Abner Ginich.

Entretanto, após onze meses de encontros secretos, o evento para comemoração do aniversário de Tony estava marcado para dia 25 de novembro. E isso significava para ele, o desejo de oportunamente apresentar Letícia à família. Certa noite, em um apartamento, dos muitos que seus pais mantinham em São Paulo, ambos sem que ninguém sequer imaginasse, assistiam à um filme enquanto se esbanjavam entre pipoca e muita coca-cola. Repentinamente, o sagitariano Tony desligou a TV sem prévio aviso. Letícia indignada esbravejou:

- Por que fez isso? Justamente no momento mais emocionante da história Tony!

-Tenho uma coisa muito séria para te contar. Na verdade, exigir, não contar.

- Do que está falando?

- Quero que venha comigo na minha festa de aniversário.

- Tony já falamos sobre isso... Sabe que seus pais me odeiam, e sua irmã também que você mesmo me contou. Não quero ser humilhada.

- Não será! Eu lhe prometo. 

- E se me humilharem? 

- Eu já disse que não farão isso. Eu garanto. Conheço minha família, são judeus muito tradicionais, educadíssimos e muito ligados à família. Por exemplo para ganhar meu pai é só elogiar a foto do meu bisavô Abiel que fica na parede. 

- Como assim? - riu não compreendendo tal comentário. 

- É que meu pai tem uma história muito bonita com meu bisavô, mas é uma longa história...

- Não tem problema, conte-me, já que não me deixou assistir ao filme... 

- Tem certeza? 

- Absoluta.

- Então lá vai... Bom, meu bisavô teve dois filhos, meu avô Aharon e minha tia avó Ashira. Meu avô se casou com minha avó Edna, ela ficou grávida antes de se casarem, não tinham muitos bens naquela época. Então, minha avó decidiu abortar meu pai. 

- Nossa! 

- Sim, porém, meu avô desesperado pediu ajuda ao meu bisavô sobre isso, e meu bisavô disse que passaria todos os bens dele no nome da minha avó se ela aceitasse, mas que não abortasse meu pai. Ela de fato aceitou, teve meu pai, entregou-o ao meu avô e se foi, com todo o dinheiro e bens!

- Meu Deus! Não acredito nisso Tony!

- Sim, entretanto, meu avô permaneceu firme, e trabalhou do zero novamente, além de restituir toda a riqueza e muito mais em curto prazo de tempo, meu pai estava lá... Passava muito tempo com o meu bisavô, e sempre ouvia essa história. De que nada era mais importante para ele que estar ao lado do meu pai. Nem riquezas, nem a perda delas... 

- Que lindo isso Tony. – sussurrou a menina com lágrimas nos olhos. 

- E então, meu bisavô passou a ser o herói do meu pai, e de toda sua geração. Afinal, se não fosse pelo Sr. Abiel, não existiríamos concorda?

- E o seu tio? Que me odeia tanto? - riu tentando esconder a emoção que tomara conta dela. 

- Meu avô se casou 5 anos depois, e foi neste casamento que ele teve meu tio Caleb. São meio irmãos na verdade. 

- Não dá para acreditar! 

- Eles lutaram muito pelas conquistas do meu avô Aharon, e tudo o que temos hoje é por conta do árduo trabalho deles. 

- E seu bisavô? Faleceu há muito tempo?

- Meu pai tinha 18 anos na época, meu tio Caleb era um pré-adolescente, não era muito ligado em meu bisavô, mas sei que meu pai ficou anos a fio de luto por ele. Na verdade, acreditamos que o luto nunca terminou. 

- E sua avó? De sangue no caso?

- Ninguém sabe dela, depois que deixou a família, nada mais se ouviu falar. 

- Meu Deus que história! Sei agora por que seu pai briga por quinze reais perdidos! – riram do comentário juntos, após o momento descontraído Tony voltou ao início do assunto:

- E então? Posso contar com seu presente?

- Terá um presente.

- Sua presença é meu presente. E ponto.
















Escritora Tereza Reche

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